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Nunca te vi, sempre te amei!


Eu vi o golpe de 64, da janela. Do colo da minha mãe. Morávamos na Álvaro Chaves, esquina da Pinheiro Machado, no Rio, a 200 metros do Palácio da Guanabara, de onde vieram os tanques, assustando a todos, pela Pinheiro Machado. Coisa de cinema. Na calçada, soldados armados apontavam pra gente, na janela do prédio, e mandavam que fôssemos para o fundo do apartamento. E assim, fizemos. Ficamos algumas horas confinados no quartinho dos fundos, até meu pai chegar do trabalho e irmos para Botafogo, para a casa da minha tia, onde passamos alguns dias, até a situação acalmar.

Cresci ouvindo e participando da conversa dos adultos: ditadura, direita, esquerda, extrema direita, comunismo, exílio, festival, medo, desaparecimento. Minha família e meus ídolos eram de esquerda. Influenciada por eles, eu queria ser comunista – para mim, não havia meio termo. Mas, naquela visão romântica, de que todos teriam direitos iguais. Muitos anos depois é que fui entender que essa coisa de tudo dividido entre todos era só, mesmo, para o povo. Para a chefia, tudo de melhor. Então, por muito tempo, vivi essa fantasia: queria aprender a falar russo, queria morar em Moscou. Cheguei a me matricular no Instituto Brasil União Soviética, na Rua das Marrecas, no Rio. Mas, no primeiro dia de aula, me assustei com movimento de prostituição da rua e desisti de aprender o impenetrável idioma. Enquanto não realizava meu sonho (me transformar numa comunista de carteirinha), li tudo o que pude da literatura russa, vi todos os filmes sobre a temática soviética. Reds, baseado na vida do jornalista e escritor, John Read e a revolução de 1917, eu vi mais de dez vezes. Ele é o autor do livro “Os dez dias que abalaram o mundo”, e o único americano enterrado no Kremlin. E, claro, aprendi a cantar a Internacional, com a qual chorei nas dez vezes que vi o filme. O meu sonho era conhecer esse país gigante, mas a dificuldade de chegar lá era grande. Era preciso um visto, um convite e a pessoa seria, praticamente, vigiada, durante o tempo que estivesse por lá. Tudo isso, além da desilusão com o comunismo, me fez sublimar desse sonho.

Esse ano, quando já não temos mais a necessidade de vistos ou convites, e já com uma viagem programada para o Líbano, uma amiga me ligou dizendo que estava de malas prontas para ir à Rússia. Trinta segundos depois, eu mudava: convenci João Miguel e comecei a estudar, comprar guias, reler livros e rever filmes. E marcamos a viagem para outubro, mês do centenário da Revolução de 1917. Poucos dias antes de viajar, meu coração já estava acelerado, traduzindo a minha ansiedade para ver, de pertinho, Moscou e Saint Petersburg. Esta foi a viagem da minha vida. Realizei um sonho. E visitei o meu passado, povoado por Tolstoi, Maiakovski, Kandinsky, Baryshnikov, Nijinski, Dostoiévski...


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